domingo, 9 de março de 2014

Normas éticas na ovodoação


Muito tempo se passou desde que li pela primeira vez na internet sobre ovodoação. Me lembro de, na época do meu diagnóstico de menopausa precoce, não encontrar nada a não ser dados de clinicas de fertilização ou sites que falavam de maneira muito direta (e fria) que mulheres com FSH alto só podem engravidar usando óvulos de outras mulheres. Aquilo não me ajudou muito, pelo contrário! Me fez entrar em desespero.  O material no Brasil ainda é escasso...
           Hoje vejo que muita coisa mudou de lá pra cá.  Quase 10 anos de passaram e, tanto a visão das pessoas, como das doadoras e até do Conselho Federal de Medicina mudou!
           Em maio de 2013 foi publicada a nova resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM Nº 2.013/2013)  que trata das normas éticas a serem adotadas no tratamentos de reprodução assistida.  Esta resolução revogou a anterior de 2010 (Resolução CFM Nº 1.957/2010) com algumas pequenas alterações.  Na verdade a grande modificação ocorreu desta de 2010 para a primeira, que foi publicada em 1992 (Resolução CFM Nº 1.358/92). Antiga não? Pois é, em 1992 já se pensava nos aspectos éticos que envolviam esse tipo de tratamento. Na verdade nem tão antiga assim se pensarmos que o primeiro bebê de proveta nasceu em 1979.
             Preste atenção! Esta é a resolução do Conselho Federal de Medicina. Ela ORIENTA os médicos quanto às condutas a serem adotadas diante dos problemas decorrentes da prática da reprodução assistida, mas não é uma LEI! No Brasil, até o momento não há legislação específica a respeito da reprodução assistida. Existem projetos de lei que transitam no Congresso Nacional, há anos, mas nenhum deles foi para votação.
Bom, o post de hoje é para falar sobre alguns pontos relacionados a doação de gametas, que são abordados nesta última resolução do CFM.
            A grande novidade que apareceu nesta última resolução é que o Supremo Tribunal Federal reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva, permitindo, entre outras coisas, que casais homossexuais possam se submeter a tratamentos de fertilização. Outra novidade foi o estabelecimento da idade máxima de 50 anos para as candidatas à gestação. Em 2010 passaram a estabelecer o número máximo de embriões que podem ser transferidos para a paciente de uma vez. Esse número varia conforme a idade:
a) mulheres com até 35 anos: até 2 embriões;
b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões;
c) mulheres entre 40 e 50 anos: até 4 embriões;
d) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos óvulos.
 
        Com relação aos aspectos relacionados a doação de gametas eu copio o texto na íntegra e faço alguns comentários pessoais em itálico!
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
      Esse é um aspecto que varia de país para país. Em alguns lugares, como os EUA, é permitida a venda de óvulos e espermatozóides. Eu particularmente sou contra a venda de gametas. Falarei sobre isso num outro post.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
      Na minha opinião isso é muito importante. Já relatei que tentei fazer ovodoação com óvulos da minha irmã e hoje acho muito bom que isso não tenha ido adiante. Acho que teríamos problemas em função das diferenças de criação de nossos filhos.
3 - A idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem.
      Faz sentido, levando em consideração que os óvulos das mulheres também envelhecem, e a partir dos 35 anos podem tornar-se menos capazes de ser fertilizados pelos espermatozóides e são mais propensos a apresentar alterações genéticas.
4 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
       Em alguns países é permitido conhecer a identidade. Mas imaginem se o doador resolve procurar e querer a participar de tudo que acontece na vida do filho genético. Passaremos a ter um filho compartilhado?
5 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, de acordo com a legislação vigente.
       Fico na dúvida se isso é viável. E no caso de uma clínica fechar? Não entendo de questões jurídicas. Fico pensando se daqui a 40 anos todas essas clínicas continuarão a existir. Outra questão é o local de armazenamento. Se forem folhas estão sujeitas a um acidente como incêndio. Se estiverem na rede (internet) estão sujeitas ao ataque de raquers ou mesmo de um vírus. Será que são seguros tais locais?
6 - Na região de localização da unidade, o registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais que duas gestações de crianças de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.
Faz sentido para evitar um possível encontro de irmãos genéticos. Será que a clínicas tomam este cuidado? Acho que não. Se o acompanhamento da gestação não é feito todo na clínica eles não tem como saber o sexo do bebê, muito menos se nasceu. No meu caso, eu tive “alta” da clínica com 3 meses e a partir dai fui acompanhada pela minha ginecologista. Com 3 meses só dá para saber o sexo da criança se fizer o teste de sangue (que é caro). Meu médico da clínica só soube do nascimento porque eu o procurei depois para conversar.
 
7 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível, deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
       
 Vejo que muitas clinicas oferecem fotos das doadoras quando crianças, ou então fichas com as características físicas e de personalidade. Ou seja, quem escolhe é o receptor no caso de uma doação compartilhada.  
8- Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.
      Parece razoável! É só lembrar daquela novela que a secretária doa seus óvulos e a médica fertiliza com os espermatozóides do irmão dela que morreu e era namorado da secretária. Quando ela descobre, resolve ir atrás do filho. E assim segue a novela!
9 - É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de oócitos em RA, onde doadora e receptora, participando como portadoras de problemas de reprodução, compartilham tanto do material biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o procedimento de RA. A doadora tem preferência sobre o material biológico que será produzido.
       Essa foi uma novidade na resolução. Já era uma prática nas clínicas. O problema é que, neste caso, a receptora paga um custo muito alto pelo tratamento. Acho injusto a forma como as clinicas conduzem isso, pois, desta forma, a receptora paga o pacote dela todo e mais, parte ou todo, o tratamento da doadora. Só que neste caso a doadora é quem passa por um processo maior, pois envolve o acompanhamento e aspiração dos óvulos. A receptora só faz um acompanhamento para sincronizar o ciclo. Neste caso eu acho que o valor do tratamento da receptora deveria ser menor e assim ela pudesse arcar também com os custos da doadora.
        Taí um bom tema para um outro post também...
 
        E você? O que acha desta última resolução do CRM? Quais aspectos você acha que deveriam ser tratados numa lei brasileira sobre doação de gametas?
Caso queira ler as Resoluções na íntegra é só clicar!